As investidas
da propaganda de massas celebraram em nosso tempo a insurgência de heróis, grandes homens que pela imagem e
discursos virtuosos atribuir-se-iam respeito e confiança. Um culto de imagens e
mensagens visava personificá-lo, ampliando em registros a voz e o corpo do herói,
dotando-lhe de sentidos fraternais, imagem- íntima, liderança, quase um
pai. Assim por longos dias, as paixões
são sustentadas numa crença no homem redentor, mantenedor das relações
harmônicas da sociedade. O herói é unicamente o sujeito dessa
"historinha" toda, aquele escolhido
frente aos impotentes inimigos e homens comuns. E é nessa memória
reanimada pelas paixões, em que ficaram registrados os destacados heróis da
política pública.
Também, a
zelosa empresa propagandística do Estado não poupou recursos para aumentar a sua
popularidade e são inúmeros os livros didáticos e oficiais que caricaturaram
com belas formas humanas os nossos heróis da política.
Já que a
harmonia societária é questionável, já que os sentidos de compreensão desse
mundo são diversificados, os heróis de outrora também sofreram contragolpes. É
nesse momento que os nossos heróis
inspiraram em alguns homens sentidos negativos, o momento em que a idolatria da
maioria virou alvo de desfiguração para alguns.
um dos meus chargistas preferidos: Angeli |
Charge de Carlos Latouff |
Contra tudo o
que compõe a imagem oficial, uma e pré-estabelecida: a arte da charge
busca em sua representação o bizarro. Qualquer homem grande ou pequeno,
popularmente referenciado ou apagado pode ser vítima da ridicularização criativa
da charge. Todos podem ser ridículos e passíveis de uma pequenez humana caracterizada
pela violência. Os nossos (quase) intocáveis heróis do passado, o herói Delfim, o herói Getúlio, o herói fardado
não escaparam da livre e questionadora ironia dos traços chargísticos.
charge de Angelo Agostini publicada em 11/06/1870 no periodico A Vida Fluminense |
Sob efeito de
provocar risos, a charge também pode ser um registro denunciatório. Todas as
práticas violentas que nos rodeiam, as imagens representativamente vivas da
violência que existem na sociedade, enfim, todos os sinais contemporâneos,
produzem nos artistas da charge uma linguagem. O Estado ao usar e abusar da força
é inspiração certeira (e negativa) para os chargistas. Força, porém, não
significa necessariamente ser o detentor dos meios de coerção. A arte, a música,
a universidade e os trabalhadores foram expressões da força contestatória da
ordem autoritária de civis e militares. A mesma cultura de massas que gerou
tantas imagens fascistas também foi a expressão da rebeldia, da produção inconteste,
fria e irônica da Charge. Esta nos serve como um registro de um tempo, do nosso
passado próximo retratando pelo avesso os grandes
homens e as suas lições desenvolvimentistas demasiadamente excludentes
e humanas.
charge de Millor Fernandes de 22/06/1964 na revista Pif Paf, nº3 |
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