quarta-feira, julho 27, 2011

HENFIL



Henrique de Souza Filho (05/02/1944 - 04/01/1998) nasceu em Ribeirão das Neves, Minas Gerais. Portador de hemofilia, mudou-se com a familia para Belo Horizonte ainda na infancia. Em meados da decada de 50, juntamente com o irmão Betinho, adere ao movimento da esquerda catolica, trazido ao Brasil por missionarios dominicanos franceses. Inspirado nesses frades, cria os personagens Fradinhos, que logo fazem sucesso. Trabalhou na revista Alterosas, cujo o diretor, o escritor Roberto Drummond, sugere o apelido que o acompanharia pelo resto da vida. Vai para o Rio de Janeiro e logo depois passa a colaborar no jornal O Pasquim, consagrando-se nacionalmente. No final dos anos 60, com o aumento da repressão politica do regime militar, exilou-se nos Estados Unidos, retornando ao Brasil em 1975. Participou da fundação do Partido dos Trabalhadores e da campanha pelas Diretas-Já. Contaminado com o virus da AIDS numa transfusao de sangue, morre no Rio de Janeiro. Estima-se que, em 26 anos de carreira, tenha produzido entre 20 mil cartuns.
fradinho  


zeferino

Graúna    

Ubaldo, o paranóico
uma das tiras dos fradinhos censurada pelos milicos  
"ao mesmo tempo radical e amoroso, intolerante e generoso, doce e cáustico, Henfil foi o humorista do senso incomum, da grossura, da incoveniencia, dos gestos escatológicos e do megulho nas zonas de sombra: do medo, do sadismo, da perversão e da paranóia."  Zuenir Ventura 

 A partir de 1976, a revista Isto é, cedia espaço à henfil. a pagina final da revistamostrava as paranóias de Ubaldo e os famosos desabafos de Henfil a sua mãe:

Mãe,
A senhora viu? Viu? O Figueiredo
dizer que cheiro de cavalo é melhor
que do povo?
Que que eu, varão da família, poderia
fazer? Partir pra cima, dar umas trinta
cabeçadas no pé do ouvido dele. Depois?
Um chambão no meio do fígado,
rolar pela calçada esganando o pescocim
dele aa língua ficar azul, os olhos
saltando e, por fim, depenar as sombrancelhas
dele a dentadas!
O diabo é que o Figueiredo é muito
mais forte que eu e aí, além de levar
desaforo, eu ainda ia voltar para casa
apanhado da rua.
Faz tempo ó, um tem pão que ele
vem só provocando o povo, mãe.
cada dia mais atrevido. Agora então
que arrumou uma equipe de publicidade
pra bolar chistes com nós ...
Mal consigo trabalhar, fixar atenção
nas coisas, sabe como? Sempre
aquela, sensação de que faltou fazer
alguma coisa, a raiva atrasada de não
ter reagido, a zueira da provocação
rindo de mim.
Mas segunda-feira, sem falta, eu
vou começar minhas aulas de capoeira
e kung-fu. Tô tomando toddy
com seis ovos crus misturados na coalhada.
Aí eu não quero nem ver. Vou
pegar o Figueiredo e mostrar prele o
cheiro que o povo tem ...
Bom, mas se não der pra enfrentar
ele agora, eu espero ele ficar velhinho
e ... e ... sei lá, dou uma rasteira nele
na rua. Ele pode nem lembrar por que
tá levando, mas eu saberei por qu.e tô
passando. Toma esta do povo, toma
esta pelo povo e mais esta para, o povo!
A bênção do seu filho que precisa
de muita reza-pra-estréia-dia-IO-dapeça-
Revista-do-Henfil-no-teatro- Ruth-
Escobar (ufa!),
p S. : Quemfoi quefez esta divida externa
de 40 bilhões de dólares? Não sei, mãe.
A divida também é indireta.
..........................................................................................................................................................................
MÃE
A senhora já viu índio andando na
floresta? É tão gentil, tão carinhoso,
tão lindo o seu andar. Ele pisa cuidadoso
pra não quebrar um ramo, ferir
uma folha.
Ele sabe: se magoar uma só folha
ela vai gritar sua surda dor, vai chorar
lágrimas verdes e exalar o perfume do
seu gemido, que o vento, solidário, se
encarregará de espalhar por toda a
floresta, que, indignada, clamará por
vingança!
Ele sabe: se magoar uma só folha, a
caça que o alimenta vai se ocultar e ficará
alerta o inimigo onça, o inimigo
homem. A natureza traída o renegará,
retirará dele a confiança de andar e
vai condená-Io à insegurança de ver
em cada folha uma igual, uma amiga,
retrato, imagem, irmã da folha que
ele fez chorar. Ah ... a eterna insegurança
do que magoa.
Agora, veja o caso do Cajá, aquele
estudante que está preso em Recife
acusado de crime político. Deram-lhe
socos, bolos nas mãos e tentaram
grampear-lhe os órgãos com um
grampeador. Cajá levou tapas nos ouvidos,
caiu no chão e foi levantado
pelos cabelos. Em seguida mandaram
que ele assobiasse ...
Acordai, floresta brasileira!
Parem suas refeições, suas discotecas,
suas praias, seus empregos promissores,
apaguem seus cigarros, interrompam
a novela. Escutai o gemido
que o vento nos traz. Atenção.
Uma folha foi ferida. Uma folha igual,
amiga, imagem, retrato, irmã chamada
Cajá.
Passe adiante.
Passe adiante.
Passe adiante.
A bênção do seu filho,

HENFIL
...................................................................................................................................







Um comentário:

Anônimo disse...

Que infância linda que eu tive. Passava Henfil na TV Mulher antes do Balão Mágico. Infância que eu tive e que infelizmente ninguém mais vai ter. Não só pela falta do Henfil, aqueles tempos eram tempos atribulados, culturalmente falando, tudo saltava aos olhos e estimulava o intelecto. Pena que idiotização chegou, mas ninguém poderá levar minha infânica embora!